terça-feira, 4 de dezembro de 2007


COM DIREÇÃO DE RENATA SOFFREDINI, MINHA
NOSSA ESTRÉIA NO ESPAÇO DOS SATYROS



A diretora retoma projeto do pai, Carlos Alberto Soffredini, autor do texto, revitalizando o Núcleo Estep. Com base em pesquisa feita nas manifestações teatrais populares brasileiras, batiza o projeto de Linguagem Estética
Soffredini. Espetáculo marca a estréia de Ian Soffredini, filho de
Renata, como ator nos palcos de São Paulo


Texto de Carlos Alberto Soffredini (1939–2001), a peça MINHA NOSSA ganha nova encenação sob a direção de Renata Soffredini, que revitaliza o Grupo Estep, a partir de 5 de dezembro, quarta-feira, às 22h30, no Espaço dos Satyros 2. Desde que foi escrito especialmente para o Grupo Mambembe para a inauguração de seu Espaço Cultural, na Rua do Paraíso (São Paulo), em 1984, essa é a terceira montagem do espetáculo, que parte de um fato real, acontecido na cidade de Aparecida – interior do Estado de São Paulo –, no ano de 1978, onde um rapaz de 19 anos quebrou a imagem da padroeira do Brasil.

Com a estréia de MINHA NOSSA – projeto contemplado com o Programa de Fomento ao Teatro para a cidade de São Paulo – Renata Soffredini retoma a idéia do Grupo Estep (criado por Sofredini, em 1985), formado para o desenvolvimento de uma estética teatral popular, de circo-teatro, que o autor pesquisou na época em que estava à frente do grupo Mambembe. “Agora estou revitalizando o que chamo de Linguagem Estética Soffredini”, explica Renata. No elenco, além de Ian Soffredini, neto do autor, estão os atores Fernanda Sanches, Jefferson Coimbra, Luh Quintans, Marina Bastos, Marcos Barros, Regina Arruda, Silmara Garciah, Soraia Revelino, Adriano Veríssimo, Alex Morales, e Sílvio Giraldi.

O dramaturgo santista (autor da fábula que inspirou a minissérie Hoje é Dia de Maria, na rede Globo, em 2004 e 2005), traz em MINHA NOSSA temas atuais, como a exploração da fé. “O texto é quase uma tese sobre as circunstâncias que levaram o rapaz a quebrar a santa. Na época, meu pai foi até à cidade de Aparecida pesquisar o caso. Conversou com muita gente e teve várias versões e opiniões do fato ocorrido”, revela Renata.

Texto traz reportagens da época
A história parte de um fato real – em 1978 um rapaz de 19 anos chega à cidade de Aparecida e quebra a imagem de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. MINHA NOSSA é a reconstituição desses acontecimentos e apresenta o percurso do jovem Ramar. A narrativa é dividida em cinco partes (durante o espetáculo, o nome do personagem vira Remar, Rimar, Romar e Rumar, pontuando cada parte da peça), que repetem a trajetória de uma romaria, desde uma cidade do interior até à Basílica de Aparecida.

“O jovem segue uma procissão na companhia de seus pais, até chegar à cidade e pegar a imagem, que vai cair e se espatifar no chão. Nesse percurso, ele encontra alguns personagens fantásticos, enquanto a igreja e o comércio revelam sua parceria na exploração da fé dos romeiros. Este fato, entretanto, não é narrado realisticamente: serve de base para uma reflexão sobre a ‘fórmula da felicidade’ que a sociedade impõe ao individuo e que está sempre em conflito com os seus impulsos mais íntimos”, conta Renata Soffredini.

Apesar de ser baseado num fato real, o texto é uma obra de ficção, porém Carlos Alberto Soffredini inseriu trechos de reportagens da época dos jornais Folha de São Paulo, O Globo, Jornal da Tarde, Jornal do Brasil e da revista Manchete trazendo um lado documental para a obra. “Com isso, explicito o jogo teatral, ou seja, os atores lêem as reportagens e logo após fazem a cena já caracterizados como seus personagens”, explica a diretora.

Diretora foca no trabalho do ator
O estilo de interpretação desenvolvido pelo Núcleo Estep tem bases em farta pesquisa feita nas manifestações teatrais populares brasileiras. “Essa pesquisa forneceu dados que, normatizados por Carlos Alberto Soffredini, deram origem ao que hoje chamamos de Linguagem Estética Soffredini (e é a espinha dorsal do trabalho que vem sendo elaborado pelo Núcleo), que concentra seu maior peso no trabalho do ator”, afirma a diretora.

Em MINHA NOSSA são usados elementos que têm peso estético, ou são signos que ajudam na revelação dos personagens. Os cenários descritivos e os elementos de cena foram abolidos. No palco, apenas um telão pintado e objetos que entram e saem de cena, como guarda-chuvas e ex-votos (objetos dedicados aos santos por graças alcançadas, como peças de ceras, quadros e objetos pessoais). Os climas são dados pela luz. Os figurinos são elaborados visando a auxiliar o ator na composição do seu personagem.

No espetáculo, a música visa auxiliar o ator na explicitação do seu personagem e das suas idéias. Os arranjos feitos pelo diretor musical Maurício Caruso são pensados para a voz humana, usando um mínimo de instrumentos musicais. Assim sendo, a linguagem estética desenvolvida pelo Núcleo concentra seu maior peso no trabalho do ator e menos nos outros elementos que compõem o espetáculo teatral.

“Para a direção, o importante é o desenho dos tipos humanos, assim como a triangulação dos personagens com a platéia, isto é, uma comunicação direta entre o ator e o público, característica esta fundamental no teatro popular, e que de resto já está fartamente sugerida no próprio texto. A Linguagem Estética Soffredini está fundamentada no contar, presente em todas as manifestações artísticas populares. A partir do contar, desenvolvemos o espetáculo, ou seja, criamos um clima e contamos uma história, um fato um ‘causo’ para o espectador ouvinte, o qual, portanto, é o centro da ação e participa do jogo com a sua imaginação e fantasia”, diz Renata.

Sobre Carlos Alberto Soffredini
Falecido em outubro de 2001, aos 62 anos e 40 de carreira, o santista Carlos Alberto Soffredini foi um dos grandes dramaturgos de sua geração. Autor de mais de 22 textos – começou a escrever no Teffi – Teatro da Faculdade de Filosofia, que ele fundou no início dos anos 60 –, dos quais apenas três nunca foram montados (pelo menos cinco foram objeto de inúmeros prêmios, além de várias montagens bem-sucedidas sob responsabilidade de importantes diretores). Formou-se em letras na Faculdade de Filosofia de Santos, onde já participava de um grupo amador como diretor e autor. Trabalhando com grupos teatrais característicos da década de 70, Soffredini construiu sua carreira como diretor e dramaturgo, funções que costumava reunir nos projetos que realizava, tendo como premissa a pesquisa da cultura popular brasileira.

Em 1967 ganhou o prêmio do Serviço Nacional de Teatro, SNT, pelo texto O Caso Dessa tal de Mafalda que Deu o que Falar e que Acabou como Acabou, num Dia de Carnaval. Logo depois, em 1970, formou-se ator pela Escola de Arte Dramática, onde dirigiu, em 1972, Mais Quero Asno que me Carregue que Cavalo que me Derrube. Em 1975, dirigiu Farsa com Cangaceiro, Truco e Padre, de Chico de Assis, com produção do Teatro de Cordel de São Paulo. Para realizar o espetáculo, estudou as manifestações cênicas populares e fez levantamentos em circos-teatros da periferia de São Paulo e de cidades do interior. Com base nessa pesquisa, em 1976 foi para o Sesc liderar o Projeto Mambembe e desenvolver espetáculos para apresentações em praças públicas. Fundou aí o Grupo Teatro Mambembe.

Em 1977, já trabalhando com o Pessoal do Victor no espetáculo Na Carreira do Divino, escreveu a peça Vem Buscar-me que Ainda Sou Teu, que o grupo Mambembe montou, com direção de Iacov Hillel. O texto apoiava-se no depoimento de circenses, retratando os valores tradicionais de uma família do circo. Em 1985, Soffredini fundou o Núcleo de Estética Teatral Popular, que remontou várias peças de sua autoria. Em 1987, o grupo Ponkã convidou-o para escrever Pássaro do Poente, com base em uma lenda popular japonesa, espetáculo inspirado e dirigido por Marcio Aurelio. Em Vacalhau e Binho (1993), utilizou vários textos de Zé Fidelis (personagem criada por Gino Cortopassi para um programa de rádio). Em cinema, recebeu um Kikito do Festival de Gramado de 1985 pelo roteiro de A Marvada Carne, baseado na peça Na Carreira do Divino. Para a TV, escreveu junto com Walter Avancini a telenovela Brasileiras e Brasileiros, transmitida pelo SBT (de 1990 a 1991). Tendo como base alguns contos populares registrados por Luís Câmara Cascudo, na obra Contos Populares do Brasil, e por Silvio Romero, em Contos Tradicionais do Brasil, Soffredini escreveu Hoje é Dia de Maria, em 1995, por encomenda de Luiz Fernando Carvalho, para um Especial de uma hora e meia de duração a ser levado ao ar pela TV Globo.

A produção criadora de Soffredini envolve roteiros para rádio, cinema e televisão, além de sua prática de diretor. De um modo geral, seus textos partem de pesquisas, são construídos a partir de uma obra anterior, de outro autor, que pode situar-se tanto no campo do teatro ou da literatura, como no da música ou até mesmo da sociologia. Para Eliane Lisboa, autora de uma tese sobre seu trabalho, este é um dos aspectos fundamentais da “dramaturgia Soffrediniana” que se configura nessa relação essencial com uma obra anterior, que ela não esconde, revela, e com a qual dialoga em permanência.

Seguindo essa característica, Vem Buscar-me que Ainda Sou Teu (prêmios APCA e Mambembe do MEC em 1979 e APETESP em 1990) baseia-se na canção de Vicente Celestino, Coração Materno, e em peça homônima de Alfredo Viviani. Na Carreira do Divino (prêmios APCA e Mambembe do MEC em 1979) nasce dos estudos de Antônio Cândido e de Amadeu Amaral, respectivamente, Os parceiros do Rio Bonito e Dialeto Caipira. O Guarani é uma recriação em versos brancos da obra homônima de José de Alencar. O Pássaro do Poente (prêmio Mambembe do MEC - RJ em 1988) tem origem na lenda japonesa A Mulher Grou, transcrita por Ookawa Essei. Quixote é uma atualização do personagem de Cervantes. A Madrasta é uma somatória de contos populares infantis, entre eles, e principalmente, A Menina enterrada viva. Trem de Vida tem como base a canção de Milton Nascimento, Encontros e Despedida. Auto de Natal Caipira está baseado nos Autos de Natal de Gil Vicente – principalmente no Auto de Sibila Cassandra e em contos de autores populares brasileiros. Minha Nossa, uma das poucas exceções, parte de pesquisas jornalísticas e depoimentos sobre o atentado à imagem de Nossa Senhora Aparecida, ocorrido em 1978.

Sobre a diretora
Atriz e diretora, Renata Soffredini começou em teatro fazendo Besame Mucho, de Mário Prata, com direção de Roberto Lage, ao lado do Grupo Mambembe, em 1982. Entre outros espetáculos, Vassah, a Dama de Ferro (2001),Delicadas e Perversas (direção de Soffredini, 1995), Os Sonhos Mais Lindos (de Neyde Veneziano, 1993). Da autoria de Carlos Alberto Soffredini, atuou em Corasãopaulo (1999), Brasil, Outros 500 (1999), Auto de Natal Caipira (1992)entre outras. Em TV, atuou na minissérie Os Maias, da Globo (2000). Como diretora, destaque para Uma Professora Muito Maluquinha (de Ziraldo, 1996, Prêmio Apetesp de Melhor Direção Infantil), Seninha e sua Turma (1996) e Marte, a Viagem – uma Comédia no Espaço (2004). É autora do livro Serragem nas Veias, sobre a obra de Carlos Alberto Soffredini, edição da Imprensa Oficial, coleção Aplauso.

Para roteiro:
MINHA NOSSA – Estréia dia 5 de dezembro, quarta-feira, às 22h30. Texto – Carlos Alberto Soffredini. Direção – Renata Soffredini. Elenco – Fernanda Sanches, Jefferson Coimbra, Luh Quintans, Marina Bastos, Marcos Barros, Regina Arruda, Silmara Garciah, Soraia Revelino, Adriano Veríssimo, Silvio Giraldi, Alex Morales e Ian Soffredini. Direção Musical e Músicas – Maurício Caruso. Cenário e Figurinos – Anike Laurita. Iluminação – Leandro Luz. Preparadora Vocal – Ariane Pedra. Preparadora Corporal – Valeska Guarita. Preparação do Ator Linguagem Estética Soffredini – Eduardo Coutinho. Temporada – Quartas-feiras às 22h30. Ingressos – R$ 20,00. Duração – 105 minutos. Censura – 14 anos. Capacidade – 70 lugares. Até 19 de dezembro. Em 2008, o espetáculo retorna aos palcos com apresentações nos dias 21 e 28 de janeiro, e 11 e 18 de fevereiro, segundas-feiras, às 21 horas.

ESPAÇO DOS SATYROS 2 – Praça Roosevelt, 124 – Centro. Telefone (11) 3258-6345. Bilheteria –- Abertura uma hora antes do espetáculo. Aceita dinheiro e cheque. Aceita reserva por telefone.

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